O Luto

06/01/2018

Andei sumida e postergando fazer este post porque ele vem da alma...  Ele, enfim, veio e espero que aqueça as almas que precisam ser aquecidas.

Quando eu tinha 6 anos, eu achava que morreria aos 13... aos 13 tomei pavor à morte e jurei que nunca entraria em um cemitério a não ser que fosse dentro de um caixão.

Por muitos anos essa foi a minha relação com a morte, de medo, e acredito que esta é a relação da maioria de nós. A morte é o desconhecido... o que nos é ocultado por um véu... por terra... por dor...

Meus avós morreram e não fui ao cemitério porque estava do outro lado mundo ou do país... uma grande amiga passou por uma perda gestacional com 38 semanas e, infelizmente, eu repeti a frase: "coitadinha" ao saber... eu por muito anos fugi da morte e de tudo que me lembrasse dela.

E minha fuga sempre foi justificada e fortalecida pelo tabu que cobre e esconde o assunto morte na nossa sociedade. Na obstetrícia a morte ainda é um tabu. Na sociedade vivemos para a vida... para o agora... para a felicidade absoluta... a felicidade dos comerciais de margarina... MAS, se a vida tivesse algo de margarina... ah... seria apenas o fato de que ela, a vida, as vezes vai do sólido ao liquido rapidamente ... e isso pode nos fazer deslizar quando menos esperamos...

Eu nunca tive uma perda gestacional... perdi o grande amor da minha vida... um homem lindo... meu ídolo... meu melhor amigo... aquele com quem eu planejava ficar rabugenta junta aos 80 anos...

Eu o perdi há alguns anos ... e com ele eu deixei ir, por um bom tempo, a mim mesma, meus sonhos, as viagens que planejamos fazer juntos e os filhos que um dia teríamos...

E você sabe o que mais doeu? Ouvir "coitadinha... tão jovem"... ou... " fica assim não, Carol. Daqui a pouco você conhece outra pessoa e realiza todos esses sonhos" ... " fica assim não, para de chorar, você está viva."...

Eu ouvia essas frases e passei a sofrer em silêncio... me escondia no banheiro nos intervalos do trabalho... trancava a porta e chorava escondida... me escondia porque minha dor incomodava...

E escondida eu fiquei por algum tempo...

Quando eu adentrei o mundo da doulagem e da humanização me deparei com o meu maior medo... meu maior fantasma... A MORTE.

Para quem não sabe eu também trabalho voluntariamente em um hospital de Belo Horizonte e o meu plantão ... bom... meu primeiro plantão era aquele para aonde iam a maior parte das mães com prognósticos de má formação fetal.

Vou confessar... foi difícil... difícil lidar com meu medo de deixar ir... afinal já deixei ir tanta coisa que eu não queria... É difícil lidar com o pré- conceito por parte dos médicos, enfermeiros, auxiliares, doulas e os meus.

Na maior parte dos casos de indução de feto morto ou com muitas más formações, a mulher fica, no hospital, ao lado de mulheres que terão ou já têm seus bebês no colo. Além disso, existe um tabu entre a equipe... na verdade existe MEDO! Os médicos são obstetras... foram formados para "trazer a vida"... por isso, acredito, quando a vida traz a morte eu vejo medo nos olhos deles.

Medo de ver a morte, medo do sofrimento desta mulher, medo de sofrer com ela... medo do que não se pode mudar...

Este post é para uma dessas mulheres que eu acompanhei... Ela ficou 5 dias induzindo o parto... estava com aproximadamente 24 semanas... o feto não nasceria vivo... e o bebê tinha nome de anjo...

Meu plantão terminaria as 19:00 e o pequenino resolveu que nasceria comigo lá. Depois de um dia todo cheio de massagens, banhos, cheiros, escalda pés e etc ( SIM... ELA TEVE TUDO QUE TODAS AS OUTRAS GESTANTES TEM. UMA MÃE QUE PASSA POR UMA PERDA GESTACIONAL É UMA MÃE, GESTANTE, UMA PARTURIENTE QUE MERECE TUDO... INCLUSIVE PARIR COM RESPEITO COMO QUALQUER OUTRA MULHER).

Por volta das 19:00 ele veio... e veio para respirar por alguns minutos com ela e com o pai...

Ainda me lembro dela conversando com ele... falando da sua dor... me lembro de ver toda a equipe escondendo as lágrimas e me lembro da minha tristeza que se misturava com felicidade...

Fiquei triste por vê-la dizer adeus tão cedo... por saber que os sonhos quando morrem antes do que achamos que deveriam morrer, doem muito... E por não poder mudar nada ... e fiquei feliz porque ela pariu... ela chorou... ela colocou a dor para fora... e pelo menos naquele momento ela não foi "coitadinha"... ela foi um MULHERÃO DA PORRA que pariu, colocou no colo, abriu o coração e a alma e deixou ir...

Esse luto, assim como muitos outros, não termina aí... ele é longo... tem altos e baixos... dias rápidos e dias eternos... mas eu quero te pedir uma coisa:

DEIXE UMA FAMÍLIA QUE PASSOU POR UMA PERDA GESTACIONAL SENTIR A DOR... CHORAR... FALAR DA RAIVA, DA SAUDADE, DO DESESPERO... DEIXE... É PRECISO... É NECESSÁRIO PARA SE CONTINUAR VIVENDO...

Deixar um sonhos bonito ir embora leva tempo... exige muito de nós... E como dizem, é uma cicatriz que fica ali... um dia ela para de sangrar, mas por melhor que seja o cirurgião e sua cicatrização... alguma marca sempre vai existir...

Então se você enfrentou ou está enfrentando a perda de um filho, SE PERMITA... CHORE, FALE, GRITE, SINTA RAIVA, SINTA SAUDADE, SINTA AMOR... PROCURE AJUDA, PEÇA COLO... E UM DIA...

Se permita sonhar novamente. Pode ser um bebê arco- íris, um trabalho arco- íris ... um amor arco- íris. Eu tive meu bebê arco- íris ... ele não veio depois de uma perda gestacional, mas veio me mostrar que a vida era possível, que o arco- íris estava me esperando.

E como eu costumava dizer para meu amor anjo...

" A gente precisa de beijo na boca, na alma e no coração"

Força e muitos beijos na alma e no coração.